Entrevista à linha Mestra da UNICAMP

11-08-2014 09:03
   

....Nossa meta principal é fazer configurar o Centro de Estudos da Leitura como espaço para essa articulação efetivamente, pela consolidação de seus grupos de trabalho e afirmação de sua cinco linhas de pesquisa...

 
ESTAÇÃO DA LEITURA - Jequié, BA
Maria Afonsina Ferreira Matos

 

Maria Afonsina vem fazendo um trabalho irretocável em Jequié, sertão da Bahia. Sob a sua competente liderança e o seu operante trabalho, muitas pesquisas e ações vêm beneficiando a formação de pesquisadores na região bem como a realização de programas de valorização da leitura. Vale a pena ler a entrevista para conhecer as vivências e experiências em andamento naquela região brasileira. Se der, vale a pena visitar para ver!

 

Afonsina conte um pouco da sua formação aos leitores de Linha Mestra. Quem é de onde veio, escolas cursadas e coisas assim.
Sou professora de Literatura Infanto-juvenil e Teatro Grego da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB/ campus Jequié, onde também faço trabalhos de coordenação geral do Programa Estação da Leitura - ESTALE desenvolvido no Centro de Estudos da Leitura - CEL. Dentro do ESTALE, sou responsável por dois cursos de Pós-Graduação “lato sensu”: um em Leitura e outro em Literatura Infanto-Juvenil e pelo projeto de criação do Mestrado em Leitura, além de fazer pesquisa e extensão continuada. Sou mineira, de São Gonçalo do Abaeté, cidadezinha situada entre o Triângulo Mineiro e a região do Alto São Francisco. Em escolas públicas, iniciei a vida escolar até a conclusão do 2º Grau. Em cidade vizinha, pela Fundação Educacional de Patos de Minas, me formei em Letras. Essa mesma Fundação me indicou para cursar Especialização em Lingüística e Teoria da Literatura na Universidade Federal de Viçosa. Já como professora da UESB cursei, pela PUC da Minas, Especialização em Língua Portuguesa-Redação e em Lingüística Aplicada; depois, fiz Mestrado e Doutorado em Letras pela PUC/Rio, onde também fiz sete semestres do Curso de Direito e freqüentei, como aluna especial, disciplinas de Pós em Educação e Filosofia. Hoje, curso Psicanálise, pela SPOCB, incentivada pelo Professor Luciano Chaves Sampaio, meu companheiro na vida e no trabalho do ESTALE.

Fale um pouco da Afonsina “leitora”... e quais os livros que realmente mexeram com você...
Como sempre digo, minhas primeiras leituras se deram num grande livro aberto, onde, em eterno “estado de lenda”, punha significados em pessoas, espaços, comportamentos, reconhecia os mecanismos de controle, exclusão, liberação, normas e limites do meu grupo social e sabia o custo de tentar negociá-los. São inesquecíveis pessoas e situações ligadas a histórias, “causos” e tudo o mais que me permitia o jogo, a alegria, o humor e a imaginação. Nesse berço poético, até mesmo o contato com a escrita se dava pela oralidade, quando Teresa – uma das minhas irmãs mais velhas – me contava de peças do teatro de Maria Clara Machado lidas no colégio interno, ou, quando ouvia D. Cecília ler os contos de fadas na escola, isto é, no “Jardim de Infância”. Quanto aos livros (publicações), uma vez alfabetizada, passei a procurá-los com insistência. Primeiro, foi o meu As mais belas histórias, depois João Bolinha virou gente, Alice no país das maravilhas, Heide e tantas histórias, onde exercitava emoções, escutava a vida, reencontrava o mundo da sonoridade folclórica e passava horas enxergando pelos olhos da imaginação, às vezes, me identificando confortavelmente, outras, me estranhando e vendo o mundo, pra me ver melhor. Aos 11 anos, tive um encontro fabuloso com o Sítio do Picapau Amarelo, onde li a minha história e a do meu grupo social – a família vivendo entre o rural e o urbano, entre a cultura de subsistência, troca e a cultura industrial - como acontecia nos anos 70 lá em São Gonçalo/MG. Nessa época, influenciada por meu pai, descobri também o mundo das Enciclopédias: Trópico, ilustrada em cores!, foi a primeira viagem... A partir daí, leituras se perfilam: José Mauro de Vasconcelos, José de Alencar, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Júlio Diniz e tantos outros autores rechearam minha adolescência de personagens, eventos e considerações sobre o mundo. Hoje, sempre que posso retorno, a algumas literaturas, como a de Guimarães Rosa e Fernando Pessoa, mas, quase sempre, acabo nas literaturas técnicas, onde faço incluir, sem preconceito, Filosofia, Sociologia, Psicanálise...

E a sua ligação com o estudo da problemática da leitura, como surgiu em você? Que influência teve? De quem?
Não fica preciso na lembrança, o momento em que se deu minha ligação com o estudo da problemática da leitura. Creio que as primeiras reflexões sobre o assunto ocorreram quando, aos quatorze anos, me vi ministrando aulas para meus colegas. Percebi aí, que todas aquelas leituras, feitas somente por prazer, me instrumentalizaram para a ação pedagógica. Como professora de línguas Portuguesa e Inglesa de ensino fundamental e médio cuidava com atenção especial do trabalho de promover leitura. Não tínhamos livrarias na cidade e eu encomendava livros pelo reembolso postal. Nossas aulas eram eventos mágicos com peças de teatro, debates, produção de painéis... São memoráveis as adaptações e encenações de obras literárias feitas pelos alunos do Ensino Médio e um debate sobre O meu pé de Laranja Lima, pela 6ª série. Entre os meus iniciadores como pesquisadora do assunto, posso citar meu avô Antônio e meus tios contadores de “causos”, meu pai e minhas irmãs mais velhas – leitores apaixonados – meus professores: D. Cecília e seus contos, Tereza e o Sito de Lobato, Agenor Gonzaga e o Curso de Letras , o Profº Mário Perini e suas pesquisas. Eliana Yunes, Tânia Dauster no Mestrado e Doutorado; as leituras de: Magda Soares, Roland Barthes, Regina Zilberman, João Wanderley Geraldi, Ezequiel Theodoro da Silva, Marisa Lajolo, Jorge Larossa...; e o debate com os colegas do GT de Leitura e Literatura Infantil da ANPOLL, a exemplo de Vera Aguiar, João Luiz Ceccantini, Maria Tereza Gonçalves, Zaira Turchi, entre outros...

Conte um pouco sobre essa mudança de ares, indo parar em Jequié na Bahia.
Quando estava cursando Especialização na UFV, conheci a Profª. Neide Amorim da UESB. Ela me deu notícias de um concurso em Jequié. Como tinha um fascínio pela Bahia dos romances de Jorge Amado, fui seduzida pela idéia de passar uma temporada na região e, se possível, fazer o trabalho com esse contador de histórias escritas. Fiz o concurso, passei e vim para a Bahia... Acabei fazendo também um trabalho com o escritor. Depois, outros motivos foram surgindo e fui ficando: casamento, filhos – Bruno e Átila – novos projetos. Peguei amor por Jequié e a carência de ação intelectual do lugar me convoca a permanecer, mesmo que, vez ou outra, as dificuldades e a lentidão de tudo incomode muito a ponto de desejar bater asas.

Gostaríamos de saber como surgiu e quais as principais metas do projeto ESTAÇÃO DA LEITURA, hoje sob o seu comando. E quais as principais conquistas desse projeto.
O Estação da Leitura surgiu em 1991 com um pequeno projeto de pesquisa participante realizado por mim e pela profª. Ednalva Santos de Almeida. Desenvolvemos o trabalho em turmas de 5ª e 6ª séries, em uma escola pública e outra particular. Em 1992, o resultado desse projeto nos surpreendeu, acordando, entre nós a suspeita de poder ampliá-lo para aprofundamento das questões relacionadas às práticas e condições da leitura nos espaços de educação formal. Partimos para nossa qualificação em cursos de Mestrado/Doutorado. Em 2001, retornamos às atividades em Jequié, redimensionamos o projeto, transformando-o em Programa de articulação entre pesquisa, ensino e extensão à comunidade. Nossa meta principal é fazer configurar o Centro de Estudos da Leitura como espaço para essa articulação efetivamente, pela consolidação de seus grupos de trabalho e afirmação de sua cinco linhas de pesquisa. Dentre nossas principais conquistas, podemos enumerar: 60 experimentos com Literatura Infanto-juvenil em escolas, creches, hospitais, entidades de assistência da microrregião de Jequié/ 14 Eventos regionais e I Evento Nacional/ 09 vídeos produzidos/ 03 cursos de pós-graduação/ 04 publicações em capítulo de livros/ 60 apresentações de resultados das Pesquisas em Eventos Externos nacionais e internacionais/ 30 Monografias de graduação/ 18 trabalhos apresentados em eventos e publicados em anais/ 10 Posters apresentados em eventos/ 02 informativos publicados/ 33 trabalhos de conclusão de pós/ 16 bolsas de Iniciação Científica/ 15 trabalhos de graduandos orientados para a apresentação em eventos/ 01 Grupo de Pesquisa e Extensão em Lobato – GPEL/ 01 Núcleo de Estudos em Leitura e Produção Textual/ 02 sub-grupos de pesquisa e extensão – Leitura de Imagens, Café Philo com Sócrates-/ 20 colaborações em outros projetos de Leitura e Literatura Infanto-juvenil/ 20 participações em bancas examinadoras/ Participação Efetiva no GT de Leitura e Literatura Infanto-juvenil da ANPOLL./ 05 linhas de Pesquisa: Didática da Leitura; Leitura e Saúde; Leitura e Produção Textual; Memórias de Leitura; Representações e Imagens de Leitura/ Projetos de Extensão continuada: Círculo de leitura; Estação da Leitura – ESTALE; Leitura de Imagens; Literatura popular e diversidade cultural em sala de aula; Workshop Lobato – Outros Horizontes, Novos olhares/ Páginas Formando Leitores: uma proposta de criação de salas de leitura/ Proposta de Extensão do GPEL.

Como você vê o problema da leitura no Brasil hoje? Foque um pouco a sua região onde atua diretamente.
Embora reconheça a importância do investimento oficial em livros, pela distribuição gratuita de obras importantes da nossa literatura nas escolas, vejo com pesar a ausência de políticas públicas no que se refere à formação de leitores, à promoção da leitura: não há um investimento efetivo na preparação de professores para dinamizar o acervo distribuído pelo FNDE e assim por diante... Iniciativas isoladas e “heróicas”, como a nossa, não recebem o apoio devido: não somos “área prioritária” para os órgãos financiadores de pesquisa, nem mesmo para a FAPESB e para o comitê de extensão/UESB que deveriam estar mais sensíveis às questões locais; toda realização mais ousada, como é o caso do nosso ENLLIJ – Encontro Nacional de Leitura e Literatura Infanto-Juvenil, é tomada como loucura ou tratada quase com indiferença enquanto não prova o seu “sucesso de público”.

Se pudesse ter uma varinha mágica para fazer rapidamente um Brasil leitor de verdade, para onde dirigiria essa varinha?
Com uma varinha de condão, eu faria mágicas com os nossos órgãos financiadores de pesquisa, colocando neles o firme propósito de democratizar o financiamento dos projetos de leitura que vagam por iniciativas solitárias de alguns sonhadores; eu faria outra mágica com os nossos professores, colocando no coração deles uma certeza: a imaginação é fonte de poder; mais uma mágica, eu faria com todos os setores da sociedade para que tornassem a decisão política de sair do discurso para a prática no que refere à leitura como fundamento da educação...

Quais os programas, projetos e atividades a curto prazo do Estação da Leitura e qual o seu endereço completo para quem se interesse em fazer contacto?
Queremos implantar um Mestrado em Leitura, ampliar nossas parcerias com outros grupos de pesquisa, realizar o II ENLLIJ/ UESB em 2008, investir em publicações de resultados das nossas atividades, criar a FAPEL - Fundação de Apoio aos Estudos da Leitura; especializar nossa equipe de trabalho, reformar nossa sede própria – um prédio cedido pelo governo do Estado – criando uma biblioteca especializada em Leitura e Literatura Infanto-Juvenil e construindo espaços próprios e apropriados para nossas propostas de pesquisa, ensino e extensão. Nessa reforma, pretendemos construir a residência do pesquisador, para abrigar professores visitantes, o espaço de Lobato para crianças de todas as idades, uma área para feiras de livros, entre outras coisas.
Nossos contados são:
Home page: www.uesb.br/celeitura

E-mail: estacaodaleituraceluesb@ig.com.br

Telefone: (73) 3528-9646
Fax: (73): 3525-6683
Avenida José Moreira Sobrinho s/n
Bairro Jequiezinho
CEP: 45.206-510 - Jequié - BA

Expresse o que talvez quisesse dizer e a entrevista não previu...
Gostaria de homenagear a Equipe ESTALE pela dedicação amorosa e comprometida com o Programa. Pessoas sensíveis, estudiosas e críticas que garantem o triunfo da vontade sobre a indiferença e a mesquinharia circundante. Gente, como: Cris, Elenita, Jéssica, Patrícia, Carlos, Vanelma, Marivone, Maria Célia, Ana Sayonara, Luiz Cláudio, Luciano, Adriana, Ellem, Laura, Davi, Ezequias, Genilton,
Daiana, Midian, Nayara e tantos voluntários e tantas vozes de incentivo que nos convencem a permanecer...

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